#10ART Mesas Arte & Corpo; Dramaturgias; e Sentindo&Pensando
As mesas de arte e corpo e de dramaturgia muito me interessam pela minha aproximação com o teatro e a dança, particularmente o movimento corporal é o que gera todo meu projeto de mestrado. Por isso, vou tentar reunir aqui alguns conceitos discutidos nas duas mesas. Especificamente nas falas de Soraia Silva, Hugo Rodas, Cinthia Nepomuceno e Luciana Lara. Bom, como me atrasei no post vou aproveitar para unir com a Mesa Sentindo & Pensando do dia 12 de agosto, coordenada pela dançarina Ana Livia Cordeiro, que também teve presença de Ellen Slegers e Valeria Bahia.
Vou iniciar com a fala de Soraia Silva:
Ao lado da consciência existe a vida (BERGSON). A origem da dança é o fluxo da vida. A força química, física e mecânica se unem em um gesto natural. A modernidade busca a tensão do movimento, diferente do Ballet que muitas vezes busca a forma final do movimento, ou seja a pose. Existe uma troca entre o espírito e matéria no devir do movimento. Criação em dança é experimental por excelência, onde não existe fronteiras rígidas entre dentro e fora.
Luciana Lara vai discursar sobre a experiência corporal em termos de memória e técnica. O corpo está moldado pelos nossos hábitos cotidianos, em como tomamos banho, como fazemos sexo, como agachamos. No universo da dança contemporânea os dançarinos costumam ter contato com uma técnica como Cunningham, Graham etc. Este contato se revela em uma série de valores estéticos não só em repertório corporal, mas também em termos para nominá-las, que são restritores de uma forma de compreensão e expressão corporal. Em estados mais altos de consciência, caracterizados como êxtase ou transe, se refletem simultaneamente os estados biológico, físico, emocional, psicológico. Existem portanto uma série de camadas que preenchem o sentido do movimento, e essas características se expressam em diferentes personalidades. Portanto, Luciana defende que a dança deve ser vista como uma improvisação dirigida e não como uma série de passos.
Dentro desta categorização de movimentos me chamou a atenção os conceitos de Gabrielle Roth que Cinthia Nepomuceno apresentou. Roth caracteriza o movimento em 5 categorias. Fluente, estacato, fragmentado, lírico e calma. Estas categorias não limitam a forma do movimento mas são mais uma descrição da relação com o espaço e o tempo. Se são contínuos, quebrados, repetitivos, etc. Outra questão abordada por pessoas da plateia foi descrições do movimento que se limitam a partes do corpo, por exemplo descrevendo passos dos pés e se esquecendo do tronco e das mãos.
Hoje em dia podemos descrever tudo como algoritmos, inclusive movimentos corporais. O percurso dos números foi exposto da vida de Hugo Rodas de forma muito carismática que resultou na sua experiência em dança que parte exclusivamente dos números. A questão da métrica e do ritmo cria uma aproximação muito forte entre a dança e a música com a matemática. Normalmente a matemática é associada a precisão das ciências exatas. Luiz Velho, meu co-orientador, pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada me diz sempre que matemática é abstração são idéias e isso pode nos dar uma visão menos “medrosa” da matemática e das ciências exatas.
Ana Livia Cordeiro começou sua fala indagando sobre o que aconteceria se nos explicassem quimicamente os nossos sentimentos, por exemplo a sensação de estar apaixonado. A emoção não se dá através de pensamento, os nossas sensações e sentimentos estão enraizadas no nosso corpo, em nossa carne. E por mais que tentemos descrevê-las nenhuma explicação compreende ou substitui o sentimento em si, a experiência, a vivência. Toda arte trabalha esse drama inerente as nossas vidas. Esse drama que é condensação e concentração da ação. Para a dançarina, o que nos motiva hoje na arte é uma leitura da natureza em contraponto com o que nós sentimos. Na minha visão é uma tensão entre o interno e o externo, o que precisamos botar para fora, o que nos é externo que se transforma internamente e é preciso expulsar novamente em novas formas. Quanto mais nos conhecemos, mais profundo é o nosso mistério. Esta relação foi explorada em um de seus ultimos projetos, em que o seu batimento cardíaco influencia cromaticamente na imagem capturada pela câmera. O projeto pode ser experimentado inclusive na internet, no site www.analivia.com.br/voce
Ellen Slegers vai falar sobre esta relação do corpo com a necessidade expressiva afirmando que o artista trabalha para atingir o nível de utopia em seu nível de emocionalidade. O corpo gera suas emoções. Um ponto que ela mencionou que achei muito interessante foi sobre o medo da proximidade, se referindo uma performance de Valie Export, na qual ela cortava a parte de sua calça jeans que cobria sua genitália e entrava em um cinema pornô oferecendo aos espectadores uma ‘verdadeira genitália’ e ia passando pelas fileiras apontando um revólver para as pessoas da plateia. Aos poucos as pessoas foram se levantando e se retirando do local. Este medo de proximidade que se reflete tanto na própria artista que carregava um revolver, quanto nas pessoas que se retiravam pode se refletido dentro do que Malu Fragoso discutiu sobre o pós-biológico na arte. Será que este medo de proximidade existe em um mundo que a vida está impregnada de relações virtuais e que muitas vezes isso acarreta em uma superficialidade? Seria esta uma própria noção de morte que buscava no contexto tecnológico contemporâneo, sendo as duas faces da moeda? Para encerrar Ellen perguntou a plateia se nós acreditávamos que a tecnologia poderia nos suprir dessa necessidade de utopia da arte. Responderam: A mídia é sempre uma busca da melhor forma para expressar seus questionamentos sobre o que não é visível. Tudo é uma questão de até onde ela quer ir, usar a tecnologia não para compreender este invisível, mas para expressar sua imaginação deste. Os meios não tem consciência de si, nós que damos esta consciência. O artista utópico carrega a utopia consigo, e pode transmiti-la pelos meios tecnológicos, mas estes em si não são utópicos.
Eu acredito que sim, a tecnologia pode representar a utopia artística. Mas não devemos esquecer da noção do nosso próprio corpo que é orgânico, mecânico, material. A tecnologia assim como qualquer outra forma de arte só nos ajuda a ter novas percepções deste corpo. Esta minha visão é influenciada pelo conceito de Hans Belting de corpo como mídia viva, que defende não somente a independência do corpo uma mídia em constante mutação(física, mental, imagética), mas também o papel da subjetividade humana nessa mediação em uma arte midiática. O autor diz que o corpo humano permanece o mesmo desde sempre, mas que a arte e as diferentes mídias apenas contribuem para novas percepções deste corpo.
Esta atenção para não nos cegarmos pela tecnologia ficou bem exemplificada na fala de Valéria Bahia. Ana Livia a convidou para integrar a mesa por ser endocrinologista e poder contribuir com a discussão sob outro ponto de vista. Ela acredita que se as pessoas descobrissem o que acontece quimicamente, haveria algum nível de desencanto neste sentimento, que a noção de drama abordada por Ana Livia seria abalada. Ela reforça que o mau uso da tecnologia nos prejudica e exemplifica com o fato de pessoas muitas vezes não se conformarem de ter um problema emocional e necessitarem de uma ajuda médica, se conformando com um desequilíbrio químico. Isso acaba com a predisposição ao sentimento. Ela exemplifica também com uma experiência pessoal, em que caminhava em um lugar envolta em seus pensamento e de repente sentir um forte cheiro de desinfetante. Parou e foi buscar a fonte do cheiro visto que estava em um lugar improvável para sentir este cheiro, quando olhou em volta viu que estava cercada de árvores de eucalipto. Ou seja, a presença da tecnologia é inevitável em nossas vidas, e ela realmente modifica nossa percepção. Devemos ficar atentos a um bom uso desta tecnologia. Na arte, a neuroestética cada vez mais presente não deve ser utilizada para compreender esta sensação, mas para explorar novas percepções, porque como Ana Livia disse a emoção não se dá através de pensamento, os nossas sensações e sentimentos estão enraizadas no nosso corpo, em nossa carne. E é para este sentimento que devemos estar atentos. Não sei o que aconteceria se nos explicássemos quimicamente, mas acredito que a sensação de desilusão seria momentanea, e após algum tempo já estaríamos envolvidos novamente em nossos sentimentos, que são involuntários. Gostaria de fechar esta discussão em um verso de Marisa Monte que aborda esta tensão maravilhosamente:
“Meu coração é um músculo involuntário e ele pulsa por você”
(Marisa Monte, Eu sei (na mira)
Quer saber mais? Aqui vão os links dos textos: